sexta-feira, agosto 13, 2004

Não é exagero dizer que uma das boas notícias desse ano de 2002 no campo musical é volta do Fellini. Com algumas raras exceções, a imprensa especializada recebeu bem o lançamento de "Amanhã é Tarde". Porém, um curioso detalhe foi esquecido. No último dia 18 de maio, a banda completou 18 anos de atividades. A data marcou o primeiro ensaio realizado na casa de um de seus integrantes, em 1984. Naquele mesmo dia, só que em 1980, Ian Cutis, vocalista do Joy Division, colocava um fim a sua própria existência.

O Fellini não tem uma carreira linear. Nesses 18 anos, o grupo passou por diversas fases, idas e vindas, acréscimo e saída de integrantes, mas nada disso fez com que eles fossem esquecidos por sua meia dúzia de fãs fiéis.

Talvez a principal mensagem do Fellini em todo esse tempo foi a simplicidade. Eles provaram que a falta de recursos não pode servir de impedimento para se fazer boa música. O trabalho da banda é a perfeita definição da velha máxima: "menos é mais".

Nessa entrevista, Thomas Pappon, o multi-instrumentista do Fellini, dissserta um pouco sobre o CD "Amanhã é Tarde", lançamento da mmrecords. Ele fala também sobre o seu trabalho no serviço brasileiro da BBC, de Londres, sobre suas preferências musicais no momento e até mesmo sobre a atual fase de notoriedade vivida pelo cantor Supla. Acompanhe a íntegra. (Rodney Brocanelli)


Pergunta - Em 2002, comemoram-se 18 anos do primeiro ensaio do Fellini, exatamente no dia 18 de maio de 1984. Naquele dia passava pela sua cabeça que a banda pudesse ir tão longe?

Thomas Pappon - Não. Nos primeiros anos, achava que o grupo poderia acabar a qualquer momento, que a idéia toda - de uma banda de não-músicos e atitude ''foda-se'' - era efêmera demais. Mas nosso entusiasmo, por outro lado, sempre foi grande.


Pergunta - O que o fã do Fellini pode esperar de "Amanhã é Tarde?" E o não-fã, aquele que nunca ouviu falar do grupo?

Pappon - Ambos vão ficar surpresos. O fã vai notar que o Fellini está bem à vontade na praia da MPB e que o grupo envelheceu com dignidade, sem perder o senso de aventura. Os fãs novos vão se arrepender de nunca terem ouvido Fellini antes.


Pergunta - Como surgiu a idéia de voltar a gravar material inédito?

Pappon - Fazia tempo que queria voltar a gravar com o Fellini. O Cadão também. O problema é que isso dá um trabalho dos diabos. Fazer música é um hobby de luxo - quando não se vive disso. Imagine você ter família, trabalho e ainda querer gravar um álbum no tempo livre. A coisa só deu certo porque o esquema foi o mais pragmático possível. O velho esquema faça-você-mesmo, gravando em casa num porta-estúdio.


Pergunta - Quais são os seus "hits" desse CD, as músicas de que mais você gostou?

Pappon - ‘’As Peles’’, ‘’Gravado no Rio’’ e ‘’Greve’’ têm pinta de hit. Mas minha preferida é ‘’Polichinelo’’, a faixa que abre o disco.


Pergunta - Como foi o processo de gravação? Foi semelhante ao de "Fellini Só Vive Duas Vezes?", quando você e Cadão gravaram esse álbum na sala de estar da sua casa em São Paulo?

Pappon - Foi praticamente o mesmo esquema de Fellini Só Vive Duas Vezes, que - putaqueopariu - foi gravado há 16 anos (!!!). O mesmo tipo de porta-estúdio de 4 canais, com matriz gravada em fita cassete. A diferença é que dessa vez usamos sampler e só tivemos uma semana para gravar todos os vocais.


Pergunta - Podemos sonhar com shows para marcar o lançamento desse novo CD?

Pappon - Sonhar pode. Mas é bem improvável que role.


Pergunta - Como é a relação de vocês com a midsummer madness records? Como é que vocês chegaram a esse selo?

Pappon - O Rodrigo Lariú, dono do selo, foi quem organizou o show do Fellini no Rio de Janeiro, quando fizemos uma mini-turnê em 98. Mostrei-lhe o material dos Gilbertos, que ele acabou lançando pelo selo. Ele sempre se mostrou entusiasmado, honesto e prático. O esquema independente é o único que nós conhecemos.


Pergunta - E o CD com sobras e registros e shows ao vivo ficou para quando?

Pappon - Verdade seja dita: os registros ao vivo são uma merda. Têm coisas bem legais entre as sobras e gravações de ensaio, mas não sei se há sentido em um disco desses, é coisa para fã doente mesmo. O projeto foi suspenso.


Pergunta - Você ficou satisfeito com a repercussão do lançamento de "Eurosambas", CD do The Gilbertos, seu projeto paralelo musical?

Pappon - Sim, bastante. Adoro esse disco, muita gente gostou e ficou claro que ainda há espaço para música não convencional, dirigida às almas mais sensíveis. Sem esse disco e sem a midsummer madness, talvez não tivéssemos agora um novo disco do Fellini.


Pergunta - Você trabalha no serviço brasileiro da rádio BBC, de Londres. Quais os projetos que você está tocando na emissora e quais os horários em que você apresenta ou participa de programas?

Pappon - Sou produtor na BBC Brasil, nos últimos dois anos cuidei dos programas de arte e entretenimento e da página de cultura na internet http://www.bbcbrasil.com/. Agora vou ajudar na coordenação da produção de rádio e internet. Mas continuo apresentando o Som de Londres, que pode ser ouvido em ondas curtas aos sábados, as 19h30, hora de Brasília, ou pelas emissoras que retransmitem a programação da BBC Brasil. Pode ser ouvido pela internet, ao vivo, aos sábados e as sextas, as 14h30. Só toco novidades. Ei! Fui o primeiro a tocar The Strokes nas rádios brasileiras!


Pergunta - Você tem acompanhado as coisas aqui no Brasil? Surpreende saber que o Supla hoje é uma celebridade nacional por aqui?

Pappon - Sei que ele participou de um programa de TV, do tipo realityTV - que infesta as programações no mundo inteiro. Aqui na Grã-Bretanha há programas como "Pop Stars" e "Pop Idol", que ‘’revelam’’ artistas novos e transformam "zés ninguém" em pessoas megafamosas da noite pro dia. O Supla tocava bateria - mal, por sinal - numa banda bem legal chamada Metrópolis. Me lembro de ver o pai dele carregando o bumbo no final de um show deles no Val Improviso, uma boate no centro de São Paulo. Acho que os vi no Lira Paulistana também. Mas acompanho pouco o que ocorre no mundo da música hoje no Brasil. Minha impressão é que não há mais cena independente nem música que preste no país.

Pergunta - O que você tem ouvido ultimamente?

Pappon - No ano passado descobri o Robert Wyatt, cantor/compositor que foi baterista do Soft Machine nos anos 60/70. Estou comprando todos os CDs dele aos poucos, tem muita coisa maravilhosa no meio. O último CD da PJ Harvey é sensacional, o Stories From The City, Stories From the Sea. Minhas bandas preferidas são Beta Band e Doves. No momento estou ouvindo um álbum do Dntel, grupo eletrônico americano, e um álbum do Crosby & Nash, um pirata gravado em 71 e lançado oficialmente agora.


Pergunta - Fellini terá fôlego para sobreviver a mais quantos anos?

Pappon - Provavelmente o Fellini vai continuar lançando um disco a cada 10 anos. A não ser que o Amanhã é Tarde faça o povo tomar as ruas.


Entrevista publicada no zine Esquizofrenia, em 2002.

 
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